Chegados a este ponto
podemos nos perguntar como pode a Igreja contribuir para a
solução dos urgentes problemas sociais e políticos, e
responder ao grande desafio da pobreza e da miséria?
Os problemas da
América latina e do Caribe, assim como do mundo de hoje, são
múltiplos e complexos, e não podem ser enfrentados com
programas gerais. Contudo, a questão fundamental sobre o modo como a
Igreja, iluminada pela fé em Cristo, deva reagir diante
desses desafios, concerne a todos. Neste contexto é inevitável
falar do problema das estruturas, sobretudo das que criam
injustiça. Na verdade, as estruturas justas são uma condição sem
a qual não é possível uma ordem justa na sociedade. Mas, como
nascem? Como funcionam?
Tanto o capitalismo
como o marxismo prometeram encontrar o caminho para a
criação de estruturas justas e afirmaram que estas, uma vez
estabelecidas, funcionariam por si mesmas; afirmaram que não só
não haviam tido a necessidade de uma precedente moralidade
individual, mas elas fomentariam a moralidade comum. E esta
promessa ideológica se demonstrou que é falsa. Os fatos o
colocam manifesto. O sistema marxista, onde governou, não só
deixou uma triste herança de destruições econômicas e ecológicas, mas
também uma dolorosa destruição do espírito. E o mesmo
vemos também no ocidente, onde cresce constantemente a
distância entre pobres e ricos e se produz uma inquietante
degradação da dignidade pessoal com a droga, o álcool e as sutis miragens
de felicidade.
As estruturas justas
são, como disse, uma condição indispensável para uma sociedade
justa, mas não nascem nem funcionam sem um consenso moral
da sociedade sobre os valores fundamentais e sobre
a necessidade de viver estes valores com as necessárias
renúncias, inclusive o interesse pessoal.
Onde Deus está
ausente – o Deus do rosto humano de Jesus Cristo – estes
valores não se mostram com toda sua força, nem se produz um
consenso sobre eles. Não quero dizer que os não crentes não
possam viver uma moralidade elevada e exemplar; digo somente que uma
sociedade na qual Deus está ausente não encontra o
consenso necessário sobre os valores morais e a força para viver
segundo a pauta destes valores, mesmo contra os próprios
interesses.
Por outro lado, as
estruturas justas hão de ser buscadas e elaboradas à luz dos
valores fundamentais, com todo o empenho da razão política,
econômica e social. São uma questão da reta ratio e não provém de
ideologias nem de promessas. Certamente existe um tesouro de
experiências políticas e de conhecimentos sobre os problemas
sociais e econômicos, que evidenciam elementos fundamentais de um
estado justo e os caminhos que se tem de evitar. Mas em
situações culturais e políticas diversas, e em transformação progressiva
das tecnologias e da realidade histórica mundial, há que se
buscar, de maneira racional, as respostas adequadas e deve-se
criar – com os compromissos indispensáveis – o consenso sobre as
estruturas que hão de se estabelecer.
Este trabalho político
não é competência imediata da Igreja. O respeito de
uma sã laicidade – até mesmo com a pluralidade das posições
políticas – é essencial na tradição cristã autêntica. Se a
Igreja começasse a se transformar diretamente em sujeito político,
não faria mais pelos pobres e pela justiça, mas faria menos,
porque perderia sua independência e sua autoridade moral,
identificando-se com uma única via política e com posições parciais
opináveis. A Igreja é advogada da justiça e dos pobres,
precisamente ao não identificar-se com os políticos nem com os interesses
de partido. Só sendo independente pode ensinar os grandes
critérios e os valores irrevogáveis, orientar as consciências e
oferecer uma opção de vida que vai além do âmbito político.
Formar as consciências, ser advogada da justiça e da verdade, educar
nas virtudes individuais e políticas, é a vocação fundamental
da Igreja neste setor. E os leigos católicos devem ser conscientes
de sua responsabilidade na vida pública; devem estar presentes
na formação dos consensos necessários e na oposição contra as
injustiças.
As estruturas justas
jamais serão completas de modo definitivo; pela constante
evolução da história, hão de ser sempre renovadas e
atualizadas; hão de estar animadas sempre por um “ethos” político e
humano, por cuja presença e eficiência se há de trabalhar sempre.
Com outras palavras, a presença de Deus, a amizade com o Filho
de Deus encarnado, a luz de sua Palavra, são sempre condições
fundamentais para a presença e eficiência da justiça e do amor
em nossas sociedades.
Por tratar-se de um
Continente de batizados, convém preencher a notável ausência,
no âmbito político, comunicativo e universitário, de
vozes e iniciativas de líderes católicos de forte
personalidade e de
vocação abnegada, que sejam coerentes com suas convicções
éticas e religiosa. Os movimentos eclesiais têm aqui um amplo campo
para recordar aos leigos sua responsabilidade e sua missão de levar
a luz do Evangelho à vida pública, cultural, econômica e
política.
Transcrição do texto extraído do Documento de Aparecida (D. A.) pag. 276 a 279
Sessão inaugural dos trabalhos da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, na sala de conferência do Santuário de Aparecida – Discurso (13 de maio de 2007)